Por Luiza Freire
Nestes tempos estou aplicada nos meus estudos de culinária japonesa e folheando as revistas da minha pequena e honesta coleção trazidas do Japão. Neste estudo, pensava como a maioria dos preparos japoneses é meticulosa e estritamente ligada às raízes religiosas (Budismo, Xintoísmo). Preparar, servir e saborear não deixa de ser um complexo processo de meditativo. Nestas reflexões, deparei-me com uma revista que ensina a fazer compotas e conservas japonesas agridoces, doces e salgadas. Um desafio a cozinheiros de primeira viagem neste setor, como eu. Poucas vezes arrisquei compotar algum alimento, não por receio e sim por saber do preparo atencioso e demorado das compotas. Desta vez, resolvi arriscar e preparar a compota de doce de laranja sanguínea. Juntei potes de vidro, panela de fundo grosso, colher de pau e a faca bem afiada e iniciei o processo denominado “pequeno manual de meditação gastronômica”. Uma clara referência da espera à paciência que parte de um preparo meticuloso e demorado, as horas que os bagos da laranja ficam de molho até chegar ao momento de cozinhar e posteriormente servir a compota pronta.
Fazer este doce foi um exercício ocidental, mas de essência oriental dada a persistência no preparo e uma preocupação quase mínima com o resultado. Lembro das palavras da minha sensei logo que comecei a estudar japonês: ela dizia que o importante é o trajeto que você faz até o aprender e não só o ponto de partida ou o resultado. Evidentemente, um trecho de conto budista. Transportei esta lógica filosófica para o doce. Logo de início um grande processo de desapego dos resultados iniciou na lavagem do quilo de laranjinhas do quintal para depois retirar os cabinhos e secá-las bem. Não arrisque fazer com as do supermercado – e correr o risco de comer compota de agrotóxicos, já dizia minha avó –,Depois a parte do sacrifício, meu e das laranjas: cortei cada uma delas em quatro partes, retirei as sementes e fatiei cada pedaço em outras fatias finas. Este processo exigiu duas horas de faca em punho e, claro, muita paciência. Mergulhadas as fatias em água as azedinhas descansaram em paz por 24 horas.
No dia seguinte, a segunda parte da meditação, com açúcar na medida e uma ideia fixa na cabeça: Servir a compota com moti grelhado na chapa. Pensamento repleto de deleite nipo-gastronômico. Caros leitores, apesar de todo o trabalho posso afirmar que compotar alimentos é algo como atingir o nirvana na gastronomia. Do Japão ao Brasil, um pedacinho de determinação e açúcar em potes.
ITADAKIMASU (いただきます)!