Na era pós-moderna, a identidade dos nipo-brasileiros entra em conflito. Até a 2a. Guerra Mundial ser japonês no Brasil era considerado uma ameaça à soberania nacional. Depois, passou a ter uma conotação positiva. Porém, com a globalização, os japoneses do Brasil guardam dos antepassados apenas o aspecto físico ( fenótipo , sangue, traços fisionômicos), esquecendo os aspectos culturais, como a língua e a gestualidade. São, portanto, brasileiros que usam a identidade japonesa quando é conveniente.
Essa foi a conclusão a que os pesquisadores Jeffrey Lesser , Christiane Stallaert e Koichi Mori chegaram após apresentação de suas pesquisas sobre a identidade dos nipo-brasileiros na atualidade, na conferência de abertura do XXII ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE LÍNGUA, LITERATURA E CULTURA JAPONESA e IX CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS JAPONESES NO BRASIL, realizada no auditório do Teatro da Reitoria da Universidade Federal do Paraná, nesta quinta-feira (30).
Lesser é professor da Universidade de Emory (EUA), especialista em pesquisas sobre etnicidade e Stallaert, professora da Universidade de Leuven (Bélgica), especialista em iberoamericanidade. Mori é antropólogo, professor da Universidade de São Paulo.
De acordo com Lesser, o conceito de identidade no Brasil é tão flexível que no grupo dos japoneses entram chineses e coreanos. Não existe diferenciação étnica , tanto que atores de ascendência japonesa podem representar personagens chineses. E chineses podem representar personagens japoneses, diz o pesquisador, citando como exemplo uma brincadeira feita pelo comediante Danilo Gentile, em março desse ano, com o jogador chinês Zizao. Para conseguir um autógrafo, o apresentador contratou atores para se fazerem passar por um casal de fãs chineses. Em seu programa, Gentile revelou a farsa. O casal não era chinês, mas os atores nipo-brasileiros Priscila Akemi e Ricardo Oshiro.
Num teste de elenco para o filme “Gaijin II”, da cineasta Tizuka Yamasaki, Lesser comprovou a flexibilidade identitária do nipo-brasileiro. Resolveu se fazer passar por nikkei. Não conseguiu enganar a produção, é claro. Mas na fila, encontrou descendentes de chineses e coreanos
Stallaert resume que a identidade do nikkei pode ser considerada “transmoderna” – existe uma dissociação entre raça (fenótipo, sangue, fisionomia) e cultura (língua, gestos). Esse tipo de identidade irrompe após o fenômeno da globalização, em 1992, com a divisão do mundo em duas grandes áreas geopolíticas.
Crise de identidade
O caso de Maria Nobuko estudado por Mori também passa pela crise de identidade étnica. Quando sua mediunidade (em japonês, kamidari) foi detectada , nos anos 40, ela passou a frequentar terrenos de umbanda e ter contato com as entidades da religião africana. Ela recebia espíritos não apenas de pretos velhos, entidades frequentes na Umbanda, mas também de espiritos japoneses.
Por causa da atuação desse espíritos japoneses, Nobuko passou a atender em casa. Descobriu que era uma yuta, uma xamã okinawana, com poderes para receber espíritos. Assim, passou a atender exclusivamente os seus conterrâneos. Mas sofreu influência do kardecismo e a atendia num centro espírita.
Assim, no centro ela recebia espíritos de preto velhos. Em casa, de ancestrais de Okinawa. Então, compôe uma dupla identidade, influenciada pela etnicidade nikkei.
Para os três pesquisadores, o conflito com a identidade nikkei só é pacificado com a aceitação da dupla identidade, a da etnia e a da cultura. Para Lesser, essa é a aceitação do E em lugar do OU: o nipo-brasileiro é brasileiro e japonês.
O congresso segue nessa sexta-feira (31), com conferência do professor Paulo Franchett sobre haicai, a partir das 15h15 min, no Anfiteatro de Terapia Ocupacional, do prédio de Ciências da Saúde, no Alto da Glória. Mais informações sobre a programação no site do evento: http://www.estudosjaponeses.com.br/con2012/